Fatos e Devaneios: Casados x Solteiros

A história de hoje em "Fatos e Devaneios" fala sobre uma paixão nacional! 

O futebol é praticamente unanimidade no Brasil e nosso protagonista desta vez é o Senhor Joel, pai de Malaquias, nosso herói do primeiro episódio de Fatos e Devaneios, publicado em 20/02/2017.

Acompanhe a partida mais importante da vida de Joel e divirta-se.

CASADOS x SOLTEIROS

Como todo cidadão tipicamente brasileiro, Joel ama bater uma bolinha e não abre mão de participar do jogo dos casados contra solteiros a cada quatro anos em seu bairro. Joel acredita que esta periodicidade é importante para se recuperar fisicamente para a próxima partida.

O fato é que este jogo no seu bairro é um evento grandioso. Tão grande que atrai até patrocinadores locais! Toda vizinhança assiste, comercio fecha, esposas, filhos e amigos ficam na torcida.

Para piorar, existia um tabu, os casados nunca haviam vencido. 

E, na verdade, tem jogo todo final de ano, mas Joel só participa a cada quatro anos, diz que é para fazer um suspense e valorizar o seu passe.

Como miséria pouca e bobagem, tem ainda o Alfredo Henrique, muito ruim de bola e casado. Ou seja, Joel tem que jogar ao lado dele e por isso implantou esta filosofia, fala que é pra valorizar o passe, mas na real, aguarda quatro anos ou Alfredo se divorciar, o que acontecer primeiro.

E não é exagero, vocês não viram este maluco jogar, Alfredo deve ter dois pés esquerdos, uma barriga que consegue ser maior que o porta malas de um Opala e para piorar nem paga uma cerveja depois da partida. Alfredo Henrique só aparece para estragar a diversão e vai embora.

Mas, em dezembro de 1999 parecia que tudo seria diferente, todos reunidos no campo de terra, vizinhança em festa, cerveja no gelo e nada do Alfredo Henrique.

Joel estava com sua esposa Lourdes, que segurava pela mão o filho do casal, o pequeno Malaquias de apenas sete anos de idade. Malaquias ama futebol e estava louco para ver seu pai em ação, afinal, nunca tinha visto o pai jogar.

Então Joel aguardou até o último momento, os times sendo escalados, olhou para os lados, não avistou Alfredo Henrique em nenhum canto, ergueu a mão e se disponibilizou para entrar em campo.

A galera vibrou! Malaquias e Lourdes com lágrimas nos olhos de tanta emoção, era um momento único na vida desta família. Foi então que uma buzina chamou a atenção, todos olham para a esquina e surge um Monza com os vidros todos filmados, o carro para, a porta se abre e não pode ser. 

Sim! Pode sim, lentamente surge de dentro dele Alfredo Henrique.

Imediatamente Joel levou a mão na coxa e pensou em simular uma velha contusão. Mas, olhou para seu filho e desistiu, não podia decepcionar o moleque.

Para sorte dos casados o time estava completo e o grande "craque" teria que ficar na reserva e nestes jogos ninguém quer sair, com sorte Alfredo esquentaria o banco até o final do jogo.

Porém, aos três minutos de jogo, o Zelão, atacante oportunista dos casados, torceu o pé e teve que sair, na lateral do campo já estava Alfredo Henrique se alongando, preparando para entrar no jogo. Joel olhou em volta procurando alguém que fosse noivo, namorado ou ficante de alguém para entrar no lugar dele, mas não teve jeito, Alfredo já estava em campo e a sorte estava lançada.

Na primeira jogada, um lançamento justamente para ele, para surpresa geral Alfredo Henrique matou no peito, dominou na cocha, colocou a bola no chão e, por um instante, vendo aquele lance Joel pensou que o Alfredo talvez tivesse mudado, feito escolinha de futebol quem sabe, mas na sequencia, quando ele foi chutar furou feio e caiu de bunda no chão.

Todos estáticos, vendo aquele baita bundão no chão e um pensamento de que "a casa caiu" invadiu a cabeça de Joel.

Os lances bizarros foram acontecendo sucessivamente, mas o resto do time estava se desdobrando e seguravam o empate. Um jogo duro, disputado, para entrar para história dos confrontos. A cada lance as famílias vibravam! Lourdes e Malaquias na torcida cheios de orgulho.

Faltando trinta segundos para o jogo Joel recebeu a bola, driblou o zagueiro, olhou e viu o Alfredo Henrique dentro da área pedindo a bola. Refletiu por meio segundo e decidiu que não passaria a bola para aquele lesado nem por todo dinheiro do mundo e encheu o pé. Joel deu um chute mais forte e veloz que um cometa, a bola explodiu na trave, o goleiro ficou caído no chão e o rebote foi açucarado para os pés de quem?

Para ele mesmo! O rebote foi para os pés do Alfredo Henrique. Era ele, sozinho com a bola no pé dentro da área e o gol vazio, Joel de um lado da trave e o goleiro estava caído do outro lado, o gol escancarado na sua frente.

Todos gritavam para ele chutar, afinal era só encostar o pé na bola.

Alfredo Henrique encheu o pé, deu um baita bicudo que foi diretamente nos países baixos de Joel, parecia um míssil teleguiado, diretamente nos testículos do nosso herói com extrema violência e em seguida a bola entrou no gol.

Joel não viu mais nada, a vista escureceu e apagou, só acordou na enfermaria do hospital, duas horas e meia depois.

Abriu os olhos e viu Lourdes ao lado de sua maca e Malaquias correndo pelo hospital eufórico, contando para todos, com requinte de detalhes, a vitória histórica dos casados e como Alfredo Henrique acabou com o incômodo tabu, entrando para a história do bairro com um golaço que ninguém poderia esquecer.

Malaquias repetia e repetia, simulava os lances do jogo, inclusive para o próprio pai.

Joel questionou então o motivo de ter acordado só duas horas e meia depois e sua esposa respondeu que, na verdade, só notaram que ele estava caído e desmaiado uma hora após o jogo ter acabado. Afinal, estavam celebrando, depois do gol teve invasão de campo, festa e tudo mais. Muita emoção, gol no final da partida, quebra de tabu, etc.

Depois deste episódio Joel pensou em aumentar o seu intervalo de participação nos jogos para vinte anos ou só voltar a jogar quando Alfredo Henrique não existir mais, o que acontecer primeiro.