terça-feira, 28 de março de 2017

Fatos e Devaneios: O Menino no Muro da Frente

Esta semana resolvi publicar uma história que fala sobre saudade e, diferente das demais que já relatei por aqui, não tem o objetivo de ser engraçada, mas sim de tentar arrancar um sorriso. O mesmo sorriso que surgiu em meu rosto quando terminei de escrever.

O MENINO NO MURO DA FRENTE

Saudade de quando tudo era simples.
Correndo descalço no subúrbio carioca, na Rua Imaruí, onde vivi meus primeiros seis anos e meio de vida.
O vizinho da esquina criava galinha e de vez em quando uma ou outra desaparecia.
Brincava o tempo todo com as outras crianças na rua e o grande perigo que corríamos era de ser apanhado roubando manga ou cajá da plantação vizinha.
Quem estiver lendo este texto pode achar que fui criado no interior ou em uma região rural.
Mas não, eu morava na capital, Zona Oeste do Rio de Janeiro e na minha rua tinha criação de galinhas e árvores frutíferas.
As crianças podiam ser crianças sem medo.
Correndo, pulando, andando de bicicleta ou chutando bola.
E se aprontávamos alguma confusão, corríamos todos para se esconder no Beco da Dona Tiana.
Saudade...
O meu pai acabou sendo transferido para trabalhar em São Paulo. Ele foi e eu fiquei no Rio com minha mãe e minha irmã mais velha.
Toda sexta ele voltava e passava o final de semana conosco.
Foi assim durante seis meses.
Quando era quinta à noite já começávamos a ficar alvoroçados esperando papai.
Eu acordava na sexta bem cedinho, lá pelas seis da manhã, acordava minha irmã e subíamos descalços no muro da frente para esperar pelo nosso pai.
Não consigo descrever a alegria que era quando ele virava a esquina.
Com a camisa para fora da calça, aberta até quase o umbigo, fumando seu cigarro e carregando uma bolsa nos ombros.
Acho que ele já sabia que estaríamos ali, pois virava a esquina com um largo sorriso no rosto.
Minha irmã corria para dentro querendo acordar nossa mãe, mas mamãe já estava de pé, passando o café e colocando a mesa para comermos todos juntos.
Eu pulava do muro e pegava a chave para abrir o portão.
Quando ele entrava em casa eu grudava em sua cintura.
Ela era meu Herói! Ainda é, sempre será!
Depois de seis meses toda família foi para São Paulo, outra cultura, outra escola, outros amigos.
Morávamos em um bairro histórico, o Ipiranga, e logo a família cresceu.
Mais duas irmãs! Gêmeas! Papai e Mamãe capricharam desta vez!
Tenho muito carinho pelo Ipiranga, onde vivi grande parte da minha vida, na verdade onde vivi toda a minha adolescência, antes de virar um filho da Zona Leste de São Paulo. 
Ao longo dos anos eu cresci e amadureci.
Encontrei meus grandes amigos, companheiros da batalha cotidiana.
Tive minhas decepções e minhas aventuras.
Estudei, trabalhei e casei com meu grande amor.
Virei papai de um menino e duas meninas.
Errei, acertei, corrigi, errei novamente, sorri, chorei, errei mais uma vez, acertei mais algumas vezes.
Pena não ter mais o Beco da Dona Tiana para me esconder.
Cresci profissionalmente e depois, com o apoio familiar, mudei de profissão para fazer o que amo, sem medo de recomeçar.
Aprontei, cresci, lutei, cai, levantei e ainda luto dia após dia, vivendo insaciavelmente.
Pois, muitas vezes, quando olho para meus filhos e para minha esposa dormindo, percebo que nunca deixei de ser aquele menino com os pés descalços esperando o pai no muro da frente.
Ansioso para que acordem e eu possa abraçá-los, curtindo cada momento desta jornada.

Nenhum comentário: