segunda-feira, 13 de março de 2017

Fatos e Devaneios: A Portinha do Cachorro

A história que relato hoje em Fatos e Devaneios aconteceu em 2010, dia da final da copa do mundo de futebol. Foi neste dia que tive que mostrar para meu filho, de apenas nove anos na época, que eu era capaz de fazer qualquer coisa.

A PORTINHA DO CACHORRO



A data é 11 de julho de 2010, dia da final da Copa do Mundo de Futebol, um domingo daqueles que você não quer fazer nada, só curtir uma gelada e o jogo, mas sempre inventam alguma coisa para te tirar do sofá.
Já fazia um bom tempo que eu prometi para minha esposa que iria substituir as tábuas que fecham a nossa lavanderia por uma portinha para o cachorro. A ideia original era usar as próprias tábuas para fazer a tal portinha.
Mas, imagine só esta cena! Domingão após o almoço, final da copa se aproximando, eu já preparado no sofá ao lado do meu filho para assistir a Espanha encarar a Holanda, quando a minha mulher fala: -“Você podia fazer aquela portinha hoje né?!”.
Eu fingi que não ouvi, permaneci jogado no sofá, mas meu moleque, que tem um parafuso a menos, alerta: -“Pai, minha mãe ta falando com você pra fazer a portinha”.
Olhei para meu filho com tanto ódio, que poderia ter ter desintegrado o miserável.
Levantei, fui até a cozinha e fiquei frente a frente com minha esposa. Ela fez uma daquelas caras que só mulher sabe fazer e eu entendi o recado. Afinal, minha esposa sabe muito bem como me chantagear e eu não estava a fim de passar por um período de “seca”.
Minha linda mulher decidiu sair, pois não queria aguentar o barulho e poeira. Eu peguei as ferramentas e comecei o trampo, mas obviamente chamei meu filho para ajudar, afinal, quem pegaria cerveja durante o processo de trabalho.
Tirei as medidas, em seguida apoiei as tábuas em dois banquinhos e comecei a serrar. No início foi fácil, mas na metade percebi que estava ficando muito duro, muito difícil de manusear o serrote e aumentei a força, pensei que estava ficando cansado. Olho para meu filho e ele está morrendo de rir, perguntei educadamente: -“Ta rindo do que babaca!”. E ele, ainda rindo, apontou para debaixo das tábuas. Eu estava serrando a um dos banquinhos junto com a tábua e o filho da mãe ficou assistindo sem falar nada.
Troquei o banquinho e segui nas atividades, faltava apenas uma hora para o jogo e eu não queria perder.
Terminei de serrar e percebi que havia tirado as medidas erradas, a tábua estava um dedo maior do que o vão da porta.
Tentei tirar a diferença com o serrote, mas minha habilidade e paciência fizeram a tábua rachar no meio. Após um momento de fúria, onde deferi marteladas diversas em tudo que estava em volta, olhei para meu filho e o puto estava rindo, contidamente, mas rindo.
Olhei para ele, olhei para o martelo e pedi para ele pegar mais uma cerveja.
Fui ao vizinho e consegui outra tábua, menor e com diversos pregos. Resolvi o problema emendando tudo e, para minha surpresa, ficou certinho.
Lembrei que eu tinha comprado um trinco, mas que não tinha dobradiças. Então arranquei a porta do quarto das crianças para aproveitar as dobradiças. Pensei ser esta a melhor opção, pois um dia minha filha vai crescer e não a quero trancada com ninguém no quarto.
Depois de apertar parafusos em todas as dobradiças percebi que as coloquei do lado errado, tirei todas e apertei novamente, mas estavam de cabeça para baixo, então pensei: -“Fode-se, vai ficar assim! Não faço de novo nem a pau!”.
Neste momento ouço o apito inicial da grande final da copa do mundo de 2010 e eu suando feito um animal, cheirando a CC e com uma portinha remendada para acabar.
Meu filho pegou outra breja e eu já não sentia mais as minhas costas, isso sem falar em minhas mãos, tudo doía!
Após uma luta ferrenha consegui prender a portinha no batente da porta com as dobradiças. Para meu espanto estava abrindo e fechando corretamente.
O juiz apitou o início do segundo tempo e faltava para mim um último desafio, colocar o trinco e quem disse que eu achava os parafusos. São tão pequenos que parecem bosta de rato.
Procurei por todo canto com a ajuda do meu filho, mas não achamos nada. Ouço o narrador informar que faltam apenas quinze minutos para o final da partida e que o jogo permanecia zero a zero. Neste momento usei minha criatividade e falei: -“Vamos usar pregos mesmo!”.
Preguei o trinco na portinha com pregos maiores do que deveria, desconfiei disso quando vi que atravessaram a portinha para o outro lado. Como sou preocupado com a segurança coloquei rolhas nas pontas dos pregos, pois não quero que ninguém se machuque.
Fui pregar o encaixe do trinco no batente da porta, mas acabei rachando o batente em dois. Neste momento o jogo entrava na prorrogação.
Resolvi apelar e fazer um encaixe direto na parede! Fazer um buraco qualquer pra encaixar o trinco e acabar logo com isso! Peguei os maiores e mais ignorantes pregos que eu tinha, usei toda minha força com o martelo, mas acho que a minha parede é a mais resistente de todo planeta, pois entortava tudo que eu tentasse usar.
Remendei o batente com um pedaço de madeira desproporcional, mas finalmente consegui pregar o feche do trinco. Sucesso!
A portinha abria e fechava plenamente! E com um aspecto visual "rústico" de se fazer inveja!
Corri para sala e meu filho me lembrou que precisávamos varrer aquela sujeira toda. Voltei na cozinha peguei a vassoura e entreguei para ele concluir serviço que sabiamente lembrou.
Olhei para a TV e a prorrogação estava chegando ao fim, uma disputa de pênaltis parecia inevitável. Pensei, vou ao banheiro, preciso urinar depois de tanta cerveja, volto para ver o final de tudo isso.
Fui ao banheiro e quando tentei sair a porta não abria.
Bateu o desespero e gritei feito louco, mas ninguém me ouvia, Neste momento, na sala, o meu filho assistia o gol da Espanha no final da prorrogação e a festa do título, enquanto eu permanecia preso no banheiro.
Duas horas depois minha esposa chegou e viu nosso filho jogando videogame tranquilamente. Ela olhou para a portinha do cachorro e falou: -“Sabia que esta portinha ia ficar uma porcaria! Igual a fechadura do banheiro que ele trocou!”. Ela se virou para nosso filho e perguntou onde eu estava. Só neste momento é que o filho da mãe lembrou que eu existia.
Foram ao banheiro, minha esposa abriu a porta e me viu derrotado sentado na privada. Ela riu ironicamente: -“esqueceu que você instalou a fechadura do banheiro ao contrário? Não pode fechar que só abre por fora animal!”, Depois disso, ela soltou uma longa gargalhada, fechou a cara, olhou nos fundos da minha alma e falou: -“três semanas de seca pra você meu bem”.
E o pior, nós nem tínhamos cachorro.


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